PUBLICADO EM OUTUBRO 24, 2022 | ATUALIZADO EM OUTUBRO 24, 2022
De início é possível verificar que o Conselho Federal de Medicina ignorou totalmente a Terapêutica fisiológica da Cannabis no sistema endocanabinóide ao editar a Resolução 2.324/2022.
As evidências científicas apresentadas pelo CFM para justificar a Resolução 2324/2022 são insuficientes e ultrapassadas, tendo em vista a evolução e a grande quantidade de estudos e trabalhos científicos publicados pela comunidade científica internacional reconhecendo os efeitos terapêuticos da Cannabis, em diversas doenças.
A limitação do acesso a ciência, ao estudo e ao conhecimento científico promovida pela Resolução 2324 beira a censura, pois viola garantias constitucionais como liberdade de expressão e o livre acesso à informação, despreza estudos de reconhecimento mundial sobre o tratamento com Cannabis e impede o médico de transmitir conhecimento científico adquirido durante sua experiência profissional, ferindo autonomia científica da Universidade, o que também resulta em violação dos termos da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Resolução 2324/2022, ao proibir o médico de “prescrever canabidiol para indicação terapêutica diversa da prevista nesta Resolução, salvo em estudos clínicos autorizados pelo Sistema CEP/CONEP” fere Princípios Constitucionais de Direitos Fundamentais da Pessoa Humana como o da inviolabilidade do direito à vida e de ter uma subsistência digna (CF, art. 1º, III c/c art. 5º “caput”), bem como o Princípio Constitucional de acesso integral a saúde de forma universal, igualitária e gratuita (CF, art. 6º c/c art.196º a 200º).
Diante de tantas ilegalidades cometidas pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução 2.324/22, algumas atitudes já estão sendo tomadas por agente políticos como a apresentação do Projeto de Lei nº 359/2022, em 14/10/2022 na Câmara dos Deputados pelo Dep. Federal Paulo Teixeira (PT) e Projeto de Decreto Legislativo nº 361/2022 no Senado Federal, apresentado pela Senadora Mara Gabrili (PSDB), ambos com pedido de sustação dos efeitos da Resolução 2324.
Também foi determinada a instauração de Procedimento Preparatório pelo Ministério Público Federal de Goiás (PORTARIA N° 202, 16 de outubro de 2022), onde a Procuradoria Federal está requisitando documentos da ANVISA, Ministério da Saúde e Conselho Federal de Medicina que consubstanciem as evidências científicas que sustentam a Resolução CFM nº 2.324/2022 bem como a RDC 327/2019.
Além disso, várias entidades da sociedade civil também estão se mobilizando para pressionar o Conselho Federal de Medicina a revogar a Resolução 2324/2022.
Não é demais lembrar que a regulamentação e o acesso aos produtos derivados de Cannabis, estão regulados pela ANVISA através da RDC n. 327/2019 e RDC n. 660/2022, que dispõem sobre a prescrição, assim como a fabricação, dispensação, autorizações para importação, receitas médicas, dentre outros temas relativos à matéria, sendo, inclusive, dispensado pela ANVISA o relatório médico sobre a imprescindibilidade de sua utilização no tratamento para a importação dos produtos.
Dessa forma, reiteramos que o médico prescritor de Cannabis possui plena liberdade e autonomia para definir quais seriam as melhores atitudes para se proteger da ação dos Conselhos Regionais de Medicina na fiscalização de sua atuação.
Contudo, seguem abaixo duas sugestões de ações práticas que poderiam ser tomadas pelos médicos contra a Resolução CFM 2324/22:
1) Administrativamente: Solicitar Parecer ou Consulta as Câmaras Técnicas dos Conselhos Regionais ligadas as áreas de tratamentos com Cannabis (p.ex. Clínica médica, Cuidados Paliativos, Traumatologia, etc.), via conselho ou associação de classe médica, quanto a limitação da autonomia médica promovida pela vedação contida nos artigos 2º e 3º da Resolução CFM 2.324/2022, bem como para que apresentem documentos que consubstanciem as evidências científicas que sustentam a Resolução CFM nº 2.324/2022;
2) Judicialmente: Impetrar Mandado de Segurança contra o CFM por lesão a direito líquido e certo do médico na liberdade do exercício de sua profissão e divulgação de conhecimento científico adquirido em sua experiência profissional.
Outra importante sugestão é a participação do médico prescritor na Consulta Pública promovida pelo CRM, que reabrirá para a população a partir do dia 24 de outubro, visando a atualização da Resolução CFM 2.324/2022.
Lembramos, ainda, a disposição do art. 102 do Código de Ética Médica que proíbe o médico de deixar de prescrever os produtos de Cannabis quando essa for a ferramenta terapêutica correta e adequada ao caso individualizado. Estando os produtos regulados e disponíveis no país por meio das RDCs n. 327/2019 e n. 660/2022 da ANVISA, além de já existir um medicamento (em sentido estrito), com uso aprovado para esclerose múltipla no Brasil, deixar de prescrever o tratamento com Cannabis poderá caracterizar ao médico infração ética, administrativa, civil e criminal.
Por outro lado, ressaltamos que o maior e mais eficaz instrumento de defesa e combate à perseguição promovida pelo CRM/CFM contra o médico prescritor de Cannabis, é a ciência!
Assim, quanto maior o número de publicações, artigos, trabalhos e pesquisas científicas que confirmem a eficácia dos procedimentos prescritos com Cannabis à luz da ciência e da saúde, maior será o nível de segurança do médico prescritor contra possíveis perseguições dos Conselhos Regionais.
De toda forma, é preciso deixar claro que Resolução nenhuma tem o poder de criar ou restringir situações que a Lei não criou o restringiu, estando o CFM totalmente subordinados aos Princípios e determinações Constitucionais, bem como às Leis Federais que regulam a atividade do médico, o acesso a saúde e a aprovação de medicamentos, mesmo que para uso experimental.
Essas são algumas considerações a respeito da Resolução CFM 2324/2022, que fazemos com o intuito de dar subsídios a classe médica e fortalecer os profissionais prescritores de Cannabis, para que não se deixem abalar, ou sequer intimidar com a vigência de uma norma que, claramente, limita o exercício da medicina de forma arbitrária e dissociada da evolução da pesquisa científica e da prática clínica, cujos efeitos concretos poderão prejudicar, de forma irreversível, a saúde dos pacientes e a própria atividade médica, ficando aqui o nosso compromisso de apoio incondicional aos profissionais e combate jurídico contra esta injustiça cometida pelo Conselho Federal de Medicina.
Alexandre Chiconelli C. Ferreira - OAB/SP 298.686